segunda-feira, 31 de maio de 2010

União, amparada por Justiça e Polícia, defende a ilegalidade

UNIÃO, AMPARADA POR JUSTIÇA E POLÍC IA, DEFENDE A ILEGALIDADE

- Ou As Artimanhas Desastrosas do Dr. Galli Para Tirar o AIR dos Holofotes -

MMF


No fim da manhã da última sexta-feira, dia 28 de maio, quando
completavam seis meses do sangrento decreto 7056/09, que obrigou
representantes indígenas de todo o país a acamparem em protesto, na
Esplanada dos Ministérios, contra a medida que extinguia Postos,
Administrações Regionais e direitos adquiridos, o advogado Arão da
Providência, indígena da etnia Guajajara indicado para a presidência
da Funai pelos militantes do Acampamento Indígena Revolucionário
recebeu no Rio de Janeiro um telefonema da Superintendência da Polícia
Federal, em Brasília, convocando-o a comparecer naquele mesmo dia, às
18 horas, na sede da PF, no DF, acompanhado das lideranças do AIR,
“sem a presença de mulheres ou crianças”.

Naquele mesmo momento, em Brasília, três indígenas – um desses, ligado
ao Conselho Indígena Missionário (CIMI); outros dois, figuras
constantemente vistas no edifício-sede da Funai – saíram do prédio do
Ministério de Justiça, caminharam uns 30 metros e dali acenaram para o
outro lado da avenida, chamando uma liderança do Acampamento Indígena
Revolucionário para conversar. Ao invés de conversa, foi entregue à
liderança indígena do acampamento um bilhetinho com o telefone do
delegado Galli, da PF, pedindo que entrasse em contato com urgência
e que comparecesse às 18 horas na Superintendência da Polícia Federal
“acompanhado apenas das lideranças, sem presença de mulheres e crianças”.

Apesar da insistência de amigos e apoiadores para que os caciques não
comparecessem à PF às 18 horas de sexta-feira sozinhos, o que parecia ser
uma cilada, representantes e lideranças indígenas – homens e mulheres sem
nada a temer, pois defendem a Constituição, acompanhados de uma criança
– resolveram ir à Superintendência junto com os advogados
Karla Pinhel e Ubiratan Wapichana - porém, aguardando o também advogado
Arão da Providência, que ainda chegava do Rio, se atrasaram bastante.

Quando o relógio bateu exatamente 18 horas, um oficial de justiça
trouxe ao acampamento indígena, instalado na Praça dos Três Poderes,
uma intimação da 6º Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal,
assinado pela Juíza Federal Substituta Maria Cecília de Marco Rocha e
tendo a União Federal como autora, dizendo que o Acampamento
Revolucionário Indígena – réu - deveria se afastar um quilômetro do
Ministério da Justiça enquanto ocorresse – nos dias 31 de maio e 1º e
2 de junho de 2010 – a Reunião Ordinária do CNPI, da qual
“participam apenas representantes especialmente convidados”, contando
– nessa edição – com a presença do presidente Luis Inácio Lula da
Silva, 18 ministros de Estado, representantes indígenas, de
organizações indigenistas e da sociedade civil.

No momento em que o oficial trouxe a intimação ninguém assinou nem
tocou no documento, com militantes afirmando serem analfabetos – não
podendo, portanto, assinar. Em dado momento, o oficial de justiça se
viu cercado pelos curiosos e se sentiu ameaçado – jogando o documento
no chão e saindo correndo. O Mandado de Interdito Proibitório nº
611/2010, da 6ª Vara Federal, tem a finalidade de fazer que os
indígenas“se abstenham de invadir o edifício-sede do Ministério da
Justiça e de bloquear as vias de acesso às suas dependências, devendo
guardar a distância de mil metros (1 km) da entrada do prédio” -
determinando ainda que a Polícia Militar e a Polícia Federal façam
cumprir a decisão.

A idéia de que alguém poderia invadir o prédio só pode ter saído de uma cabeça
do CNPI, o Mandado de Interdito Proibitório – do qual a União é autora
– é um caso flagrante de atentado à democracia, uma violação da
liberdade de expressão, impedindo que uma manifestação legítima de
oposição ao atual governo se expresse, além de rasgar a Convenção 169
da OIT, que determina que os povos devem ser consultados sobre medidas
que os afetem - como as decisões que serão tomadas na reunião entre
CNPI (Márcio Meira), a Presidência da República, os Ministérios e os
indígenas escolhidos a dedo pela atual gestão.

O documento da Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha cita ainda
“a invasão da Câmara dos Deputado no dia 19 de maio”, o que as fitas de
vídeo comprovam ser CALÚNIA – os indígenas entraram dançando
normalmente na Casa do Povo, entregando suas bordunas e arcos à PF:
quem invadiu o acesso ao Salão Verde, barrando a entrada de manifestantes,
foi a Polícia Legislativa.

Tanto a Juíza quanto o Governo Federal – Presidência da República,
Casa Civil da Presidência da República, Secretaria-Geral da
Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, Ministério de Minas e Energia, Ministério da
Saúde, Ministério da Educação, Ministério do Meio Ambiente, Ministério
do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, Ministério da Defesa e Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão – elegem a ILEGALIDADE ao se sentarem com o CNPI
para trabalhar: a lei que instituía o Conselho, emenda 36 da MP 472,
foi rejeitada por maioria na Câmara dos Deputados no dia 19 de maio de
2010.

No dia 25 de maio de 2010, um ofício do gabinete do deputado federal
Marcelo Ortiz levava ao conhecimento do Ministro da Justiça, Luiz
Paulo Teles Ferreira Barreto, ao Procurador Geral da República,
Roberto Monteiro Gurgel Santos, à SubProcuradora Geral da República,
Deborah Duprat, e ao próprio presidente da CNPI, Márcio Augusto
Freitas de Meira, que na apreciação da MP 472/09 a emenda 36, a
criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, foi rejeitada
pela maioria em plenário, sendo, portanto, a organização chefiada por
Márcio Meira – hoje reunida na chácara do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), amanhã no Ministério da Justiça com representantes
do atual governo – legalmente inexistente.

Portanto, o mandado expedido pela 6º Vara da Seção Judiciária do DF,
publicado no dia 26 de maio, intimando os indígenas do AIR – que
pregam radicalmente a defesa da Constituição Federal - a não
constrangerem com seus protestos membros de um conselho inexiste
(ilegal) e totalmente baseado em uma suposição (a de que os
manifestantes invadiriam o prédio do Ministério da Justiça), é, no
mínimo, contraditório e ineficaz – sem citar o teor paranóico da
justificativa.

Além do mandado judicial ter como objetivo proteger a reunião de um
conselho inexistente (ou ilegal), sendo contraditório e ineficaz, a
Juíza, segundo assessoria jurídica do Acampamento, usou um instrumento
equivocado: o interdito proibitório só existe quando há posse e
propriedade, não se aplicando de forma alguma a uma praça pública
reconhecida historicamente como palco legítimo de manifestações e
protestos de toda ordem.

Mais do que equivocado, a justificativa apresentada - “risco de
esbulho”, sendo esbulho entendido como “a retirada forçada do bem de
seu legítimo possuidor” – inverte a situação apresentada: o bem mais
sagrado, no caso, o direito à consulta prévia e à informação, usurpado
pelo CNPI dos indígenas brasileiros, seus legítimos donos, só poderia
se materializar caso se invertesse o teor da liminar, abrindo acesso –
aos indígenas de todo o Brasil – ao Ministério da Justiça e a os todos
prédios públicos onde se discutam decisões e medidas que afetam os
destinos dos povos nativos brasileiros, como propõe a Convenção 169.

A estratégia da 6º Vara Federal, articulada com a Polícia Federal,
entregando a intimação somente às 18 horas de sexta-feira, fora do
horário forense, com as repartições fechadas, negando ampla defesa e
direito ao contraditório e, para agravar, em um momento em que as
lideranças supostamente estariam em reunião na Superintendência da PF,
foi a de que os líderes do Acampamento Indígena Revolucionário não
tomassem ciência do teor da acusação – ficando fragilizados e não
podendo assim se defender.

O interlocutor escolhido pelo governo para dialogar com os indígenas
descontentes mostra o quanto a atual gestão federal preza o respeito
pelos povos originário: o delegado, dr. Galli, é citado por índios das
mais diversas etnias como torturador e arbitrário.

No dia 30 de junho de 2009, o dr. Galli prendeu na porta da Funai,
diante de dezenas de testemunhas, os irmãos Antonio e Anacleto, do
Grupo Wassu da Aldeia Serrinha – que horas antes estiveram na 6ª
Câmara de Coordenação e Revisão, onde foi encaminhado à Funai um
ofício pedindo reconhecimento da comunidade em que nasceram como
indígena – sob a alegação de que não eram índios e, sim, vagabundos.

Condenados no Tribunal Étnico do dr. Galli, os irmãos foram levados à
Polícia Federal, onde, segundo afirmam indígenas, foram despidos e
espancados. De acordo com a denúncia apresentada na ONU e enviada à
OIT, o dr. Galli ordenou que fosse arrancado da pele o jenipapo das
pinturas corporais dos dois com uma bucha – sendo ambos salvos da
sessão de tortura pela intervenção do dr. Wellington Mesquita,
ex-procurador da Funai.

Na mesma noite, a equipe do dr. Galli proibiu o grupo Krahô de Rio
Formoso – sem recursos para hospedagem e sem amigos ou parentes na
cidade que os acolham – de dormir no primeiro andar do prédio da
Funai, onde pernoitavam.

A reunião ocorrida sexta-feira, dia 28 de maio de 2010, na
Superintendência da Polícia Federal, de representantes e lideranças do
AIR com o dr Galli e monitorada por um agente que gravava toda a
conversação em vídeo, mais para documentar rostos e linhas de
raciocínio do que para registrar uma negociação (pois não houve
negociação alguma), foi de uma irregularidade total.

O dr. Galli, revestindo um verniz de estudada elegância e polidez e
supondo ser o único na sala a saber do conteúdo da intimação, não
tomou em nenhum momento a iniciativa de esclarecer a situação e dar
ciência dos fatos, se limitando repetir que “saiu uma liminar” – e, de
posse dessa informação, engendrar “negociações” em nome do Governo do
Distrito Federal, da Polícia Federal e do Ministério da Justiça,
dizendo a todo o momento que bastaria um telefonema seu a Luiz Paulo
Barreto, Ministro da Justiça, para avalizar qualquer decisão tomada
ali.

De má-fé o delegado manipulava as informações, dando como certa uma
desocupação da Esplanada por uma questão de ordem pública – quando, na
verdade, como pode-se ver no mandado, se trata de uma questão política
– e, entre outras propostas, oferecia, em nome do Governo do DF e do
Ministério da Justiça, o estacionamento do Estádio Mané Garrincha
(longe dos Ministérios e do Congresso Nacional), “com logística,
infra-estrutura e saneamento”, para que ali o Acampamento
Revolucionário Indígena se instalasse.

Durante a negociação, que durou cerca de 4 horas, não foi citado em
nenhum momento pelo dr. Galli que a liminar pedia simplesmente para
“se abster de invadir o prédio-sede do Ministério da Justiça” e “de
bloquear as vias de acesso”, concluindo que o acampamento deve ser
deslocado a uma distância de 1 km da entrada do Ministério durante o
período de realização da Reunião Ordinária do CNPI.

A omissão do conteúdo da decisão judicial faria, caso os indígenas não
soubessem o teor do documento, que esses se sentissem ameaçados por
uma desocupação iminente. E a suposição de que esses se sentiam
ameaçados fez com que o negociador do governo se sentisse à vontade.

O delegado jogou com a suposta ignorância de seus interlocutores,
dando a entender que suas propostas, supostamente vindas antes da
entrega do mandado judicial (do qual os militantes nada sabiam) e
oriundas do Ministério da Justiça, dariam a oportunidade para que os
indígenas continuassem a se manifestar “de forma digna” e que poderiam
ser recebidos pelo Ministro da Justiça.

Houve a oferta, em nome do Ministro da Justiça, que o acampamento
fosse desfeito e que os seus líderes ficassem hospedados em hotéis,
com alimentação digna, com todo o conforto custeado pelo Estado
Brasileiro, além da promessa de se sentar à mesa com Luiz Paulo
Barreto – o que foi recusado.

Como alegado por um militante, sentar com o Ministro da Justiça – com
os antecedentes que tem, como autor da portaria que manda a Força
Nacional a atirar em indígenas – não era garantia alguma de derrubar o
decreto ou o atual presidente da Funai.

Diante da reticência dos indígenas acampados em aceitar as propostas,
o delegado, em um ato de desespero, propôs que, “num gesto de boa
vontade”, 50% do acampamento se retirasse de Brasília, ficando o
restante no mesmo lugar - negociando, assim, 50% da decisão judicial
da Juíza Substituta Maria Cecília de Marco Rocha, praticando uma
ilegalidade que, no exercício da função, é crime.

Não satisfeito, o delegado quis fixar um prazo para que os indígenas
acampados decidissem se retirariam 50% dos militantes ou não -
afirmando que a partir de sábado, dia 29, se iniciaria a operação
tática para remoção e que só “um gesto de voluntário de boa vontade”
poderia deter a máquina do Estado.

Quando soube, ao fim da reunião, que os representantes e lideranças
indígenas, assim como os advogados, já conheciam de antemão o
interdito assinado pela Juíza Maria Cecília de Marco Rocha, em uma
reunião gravada em vídeo tanto pela polícia quanto pelo AIR o delegado
desmoronou.

O discurso do dr. Galli, que fugia totalmente do teor do processo,
revelou ainda a incompetência da inteligência da PF, ao afirmar que
“uma etnia do Maranhão se encontra insatisfeita, querendo ir embora do
DF”, quando os Guajajara (Tenetehara) são, desde o dia 18 de abril, o
grupo que mais cresce no Acampamento Revolucionário Indígena, chegando
novas levas toda a semana, trazendo guerreiros e guerreiras cheios de
entusiasmo para derrubar o decreto e a atual presidência da Funai.

Desde a pressão na Superintendência da Polícia Federal da última
sexta-feira, dia 28, advogados e jornalistas, entre outros apoiadores,
estão em vigília no Acampamento Revolucionário Indígena da Esplanada
dos Ministérios, aguardando o desdobrar dos acontecimentos e prontos
para a ação.

Domingo (ontem), por volta das 14 horas, uma linda menina Guajajara
teve a sua primeira menstruação, obrigando - de acordo as crenças e as
tradições da etnia – família e comunidade a colocá-la na reclusão
(“tocaia”), não comendo carne nem feijão e tendo contato somente com
mulheres, entre outras interdições, até o próximo sábado, quando sairá
do espaço fechado onde se encontra “presa” no interior da oca para a
Festa que a receberá.

Desde ontem a comunidade – Tekohaw – do Acampamento Revolucionário
Indígena, reconhecida pela Justiça Federal, se encontra em festa, com
o maracá tocando até o amanhecer.

O Acampamento Revolucionário Indígena lembra que, de acordo com o
artigo 231 da Constituição Federal, é assegurada a proteção de usos,
costumes, crenças e tradições, assim como a Lei 6001, significando,
portanto, que, tendo uma menina na tocaia – presa no interior da oca,
deitada na rede e só se alimentando de peixes - até o próximo sábado,
o acampamento não pode se deslocar. A Vida nos brinda com mais esse
presente.

Enquanto o Governo Federal - articulado com Justiça e Polícia Federais
- tenta institucionalizar a ilegalidade, o Acampamento Revolucionário
Indígena segue em sua luta de cabeça erguida – celebrando o Amor, a
Beleza e a Vida - com muita Garra, Alegria e Vontade de Viver.

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